Entrevista do Dr. Jamal para a ABORL-CCF

Entrevista do otorrinolaringologista Dr. Jamal Sobhi Azzam para a Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF) publicada em 07/05/2010.

Sabe-se que no Brasil existe a predominância de atendimentos médicos intermediados por convênios. Qual é o atual panorama dos atendimentos em ORL no país?
Dr. Jamal Sobhi Azzam: O nosso censo de 2007/2008 mostrou que 90,94% dos otorrinos do Brasil atendem convênios médicos, sendo que do total, 82,65% tem o maior volume de pacientes atendidos proveniente deles. Deixo claro que o termo “convênios médicos” é utilizado aqui para se referir a todos os tipos de assistências médicas privadas, inclusive cooperativas médicas, planos de saúde e seguradoras. Em 61,98% do total de consultas atendidas, a proporção de convênios é 80% ou mais em relação aos particulares. E 70,13% dos otorrinos do Brasil possuem consultório próprio. Ou seja, nossa grande massa de associados depende do atendimento dos convênios. Estes são números bastante significativos e merecem nossa total atenção. Sabemos que as relações de trabalho com os convênios médicos são bastante conturbadas por inúmeros motivos: seja devido ao comum cerceamento ao livre exercício da Medicina, seja no aspecto da baixa remuneração ou na transformação do trabalho médico em commodity, um termo que se aplica aos serviços com o significado de “qualidade uniforme”, nivelando então todos os médicos em um mesmo patamar, independentemente de sua formação, estrutura para atendimento ou experiência.

Qual sua missão ao assumir o cargo de Coordenação da Comissão de Atuações em Saúde Privada e Pública?
JSA: Nossa missão é aprimorar o conhecimento técnico-administrativo do associado para que possamos diminuir ao máximo o gap existente entre as estruturas gigantes dos convênios e o nosso pouco conhecimento de gestão. Esta nossa insuficiência de técnicas, ferramentas e indicadores é conhecido pelos convênios, que se aproveitam disto para adaptá-los aos seus próprios interesses e não aos nossos. Por não termos este conhecimento técnico-administrativo, somos vítimas de um rolo compressor… Mas em um futuro breve, a ABORL irá transformar estes termos que acabo de citar, muitas vezes desconhecidos, em aliados, através de inúmeras ações que serão tomadas.

Quais serão as primeiras ações deste novo plano da Comissão?
JSA: O primeiro passo é conscientizar a todos nossos colegas que existe uma enorme diferença entre “Medicina” e “profissão médica”. Medicina é a ciência, a arte da cura, prevenção de doenças etc. Profissão médica, o próprio nome já diz, é uma profissão cuja definição é baseada em um conceito econômico, ou seja, um meio de ganhar dinheiro. Esta é sua verdadeira definição. Não se pode confundir a profissão médica com o exercício da Medicina. Exercer a profissão médica é utilizar seus estudos, conhecimentos, técnicas, experiências e anos de dedicação para gerar ganho financeiro. Esta visão em nada põe em risco o exercício da Medicina, a não ser em casos de perversão de conceitos e atuações, o que existe em quaisquer outras áreas. Este assunto é quase um “tabu”, pois em nossa formação estudamos apenas a Medicina e nada aprendemos sobre nossa verdadeira profissão.
Sabendo disso, novamente digo, os convênios médicos aproveitam-se imensamente desta situação culminando com a realidade catastrófica que vivemos atualmente. E, com toda sinceridade, o erro não é deles e sim nosso. Nós é que abrimos este espaço para ser conquistado por eles. Por isso, devemos nos conscientizar que nosso futuro profissional depende de nosso conhecimento administrativo, para que possamos contrabalancear forças com as empresas que as têm de sobra.

De que forma seria possível reagir a esta situação?
JSA: Estamos iniciando um trabalho bastante sério cujo objetivo principal não é confrontar os convênios, mas sim nos fortalecer e agir para melhorar o nosso lado. Abriremos um espaço em nosso site onde o associado poderá consultar de modo simples e imediato os pareceres já emitidos pela comissão de Defesa Profissional, Departamento Jurídico e a Comissão de Políticas Públicas, antigo nome de nossa atual comissão. Muitos destes pareceres certamente versam sobre problemas do dia-a-dia de diversos associados no Brasil. Desejamos publicar uma nova coluna no Jornal da ABORL com pareceres importantes e que possam ser de interesse da maioria dos associados. Necessitamos saber do maior número de problemas que estão ocorrendo, a fim de estudarmos juntos cada situação especial e emitirmos novos posicionamentos. Acredito fortemente que vamos ajudar muito.

Poderia exemplificar?
JSA: Um exemplo prático disto é o fato de que a maioria dos convênios não paga outra consulta dentro de 30 dias, mesmo que seja por um motivo diferente da consulta anterior. Antigamente, quando isto ocorria, o médico fazia um relatório explicando que eram situações diferentes e o convênio pagava a outra consulta. Lentamente e sorrateiramente eles deixaram de pagar e qual foi a reação dos médicos? Acatar silenciosamente… Ora, especificamente na especialidade de otorrino é muito comum o paciente apresentar quadros agudos respiratórios súbitos e gerar uma nova consulta. Hoje nós não recebemos por isto, mas se justificarmos a nova consulta e anexarmos um parecer da ABORL especificamente sobre este assunto, acreditamos que podemos estabelecer um novo cenário.

O que já está sendo feito?
JSA: Estamos programando vídeos educativos na esfera administrativa, como “Como contratar uma secretária”, “Como montar um fluxo de caixa simples de seu negócio”, “Noções de negociação”, “Planejamento Estratégico” e diversos outros assuntos. Estes vídeos serão sempre voltados diretamente ao otorrino e estarão disponíveis no nosso site. Pretendemos contar com consultorias profissionais para criar mecanismos de suporte para iniciar ou manter o consultório ou clínica. Ressalto que sempre voltados especificamente ao otorrino. E também já estamos em andamento com o projeto do “Disk-denúncia anônimo”, que será um forte instrumento de insumo de informações sobre problemas graves que acontecem e o nosso colega fica com “medo de falar abertamente”. Será um serviço altamente profissional e seguro, com preservação absoluta da identidade do denunciante. As ações que poderão ser tomadas pela ABORL-CCF serão de forma genérica, jamais explicitando o caso específico, mas sim agindo de forma a juntar elementos que possam servir de base para um alerta ao denunciado. Nosso foco inicial será o que consideramos hoje “urgente” para nosso associado, que é o relacionamento com convênios.

Quais os principais problemas nas atuações profissionais do otorrino?
JSA: Este é um assunto muito importante! Estamos preparando uma pesquisa junto a todos os nossos associados para esclarecer estes pontos. Haverá um estudo minucioso sobre a prática diária do otorrino. Vamos falar abertamente o que a maioria vive falando nos corredores, sem meias palavras!
Quero deixar claro que necessitamos da ajuda de todos neste momento tão importante! Solicito que me enviem, imediatamente, todos os tipos de problemas que vivenciam junto aos convênios médicos, para que possamos incluí-los como tópicos nas pesquisas, pois outros otorrinos podem estar vivendo a mesma situação. Não serão interpretadas como denúncias, mas sim como tópicos no nosso banco de dados. Esta pesquisa será um grande passo para as ações que serão tomadas. Mas, peço novamente a todos uma atenção especial e que as palavras sejam ditas sem nenhum tipo de constrangimento: boca no trombone!

Tendo em vista a deficiência do Sistema Único de Saúde brasileiro, há algum novo plano com relação ao atendimento pelo sistema público?
JSA: Entendemos que o sistema de saúde pública é importantíssimo e vai receber muito de nossa dedicação. Os dados da pesquisa mostram que 62,95 % dos médicos otorrinos do Brasil não operam pelo SUS. Isto tem certamente como motivo o baixo honorário pago, mas em termos de saúde pública isto é uma catástrofe. Há uma enorme demanda reprimida de atendimentos de consultas e cirurgias. Isto é extremamente injusto em um país tão carente em saúde, onde os profissionais afastam-se lentamente deste segmento exclusivamente por motivo de baixa remuneração. Lembro a todos que a maioria dos atuais grandes serviços médicos privados, especialmente grandes hospitais, estabeleceram-se e chegaram ao porte que hoje têm através dos atendimentos e recebimentos do sistema público, antigo INPS, INAMPS etc. Ou seja, o sistema público foi durante muitos anos fonte de enorme riqueza, além de fornecer condições para a formação de muitos médicos (residências médicas baseadas em atendimentos públicos remunerados), sem contar com a enorme experiência que este tipo de atendimento gerava aos cirurgiões, na época reconhecidos como grandes “mãos cirúrgicas”. Devemos resgatar o atendimento ao sistema público e trazê-lo de volta a uma situação mais próxima do otorrino.

Para finalizar, o que o Sr. acha que é preciso para alcançar as metas apontadas?
JSA: Recebi esta missão diretamente do Presidente Prof. Ricardo Bento e não medirei esforços para gerar resultados concretos, reais e de utilização prática e imediata de todos nossos associados. Mas, insisto mais uma vez, preciso da colaboração de todos associados do Brasil para o fornecimento de dados e elementos de subsídio às nossas ações e de fonte de geração de novas outras. Contem comigo!

Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial

Dr. Jamal Azzam

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DR. JAMAL S. AZZAM

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Médico formado pela Faculdade de Medicina da USP em 1986 e especialista em Otorrinolaringologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

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